quinta-feira, 23 de março de 2017

Compre o giradiscos e leve os discos

O anúncio, publicado no Jornal de Notícias de 4 de maio de 1972, é inovador. A quem comprava o hardware (o giradiscos e rádio de 1450$00) oferecia-se o software (31 discos de música ligeira portuguesa). Antecipava - ou já era contemporânea de - a estratégia comercial dos videojogos. Logo, nas análises atuais, temos de fazer revisionismo histórico, pois o que parece ser de hoje já se praticava há décadas. O preço do giradiscos corresponde hoje a 337,07 euros (cálculo a partir do conversor da Pordata).

A par deste lado comercial inovador, registo o posicionamento da loja. Isto porque a Electro-Visão tinha outros bens a publicitar como frigoríficos, por exemplo. Os lares portugueses começavam a apetrechar-se de bens ligados à eletricidade. O giradiscos - escolher música sem a ouvir na rádio - era algo que se começava a massificar. O anúncio não indica que discos de música ligeira variada ofereciam mas podemos conjeturar a partir da música de então: Simone de Oliveira, Tony de Matos, Madalena Iglésias, António Calvário.

Outra loja, a Ideal Rádio, que também fora estação de rádio, ia mais longe que a Electro-Visão. Ao querer esgotar o stock completo por motivo de obras, aos dez mil clientes que fossem à loja, comprassem ou não, recebiam grátis um disco ou uma cassete para gravar (Jornal de Notícias, 30 de maio de 1972).

A eletricidade, ela própria, estendia-se pelo país. Mas havia críticas. No inverno do mesmo ano de 1972, os moradores da rua Dr. Alves da Veiga, mesmo ao pé da rua da loja Electro-Visão, queixavam-se de falhas. Sempre que chovia, a eletricidade desaparecia. A brigada de reparações nem sempre estava disponível, pois o problema residia no pavimento. Era preciso levantá-lo e colocar novos cabos de eletricidade, questão que se arrastava fazia anos.

1 comentário:

adfg disse...

Penso que uma estratégia similar já tinha sido adoptada anteriormente por outras lojas. Lembro-me de ter lido algo parecido com as lojas da Arnaldo Trindade mas em data anterior. [Para estimular a compra de discos, viaja até França e encomenda milhares de gira-discos; depois lança uma promoção: na compra de dez fonogramas, oferecia um desses aparelhos. Tem "espírito de missão": "Tínhamos a loja de electrodomésticos e isso dava-nos o suporte financeiro. A Orfeu era a minha forma de intervir e a minha paixão. Só foi possível fazê-la em termos de paixão, porque não havia lógica comercial". https://www.publico.pt/2011/08/04/culturaipsilon/noticia/a-politica-da-orfeu-era-a-utopia--291161
] Os álbuns só se tornaram mais comuns no início da década de 1970. Os nomes mencionados parecem-me estar mais ligados à década anterior. Simone esteve mesmo parada alguns anos devido a problemas vocais ocorridos em 1969 e tenha regressado já em 1971 ou 1972.