sexta-feira, 30 de março de 2018

Livros sobre rádios locais (2)

Emília Amaral (1923) frequentou o ensino liceal e coordenou a Cruz Vermelha Portuguesa, presumo que em Águeda, de onde é natural. Publicou diversos livros, entre os quais Águeda Deste Século (1992) e Maria, a Aguedense (2002).

Do prefácio de A Nossa Voz Através da Rádio Botaréu (2003), assinado por Fernando Cardoso, ficamos a saber que este livro está composto de textos escritos e lidos por Emília Amaral (Espaço Literário) em programas da Rádio Botaréu (Águeda): Caixa de Surpresas (1992-1994), Terra Livre e Em Direto (1994-2000). Com ela, colaboraram a jornalista e locutora Irene Costa e o capitão Mário Barbino (no primeiro dos programas). Invariavelmente, a autora começava o programa assim: "sim, Maria Irene, mas primeiro as minhas boas noites aos senhores ouvintes", a significar uma pergunta inicial da locutora e o horário do programa. O programa tinha, com frequência, convidados, o que permite pensar em tertúlias radiofónicas em torno de temas aguedenses.

Nos seus textos, a autora falaria de Águeda, localização, padroeira Santa Eulália, lendas, praia fluvial, romarias e procissões, ranchos, filarmónicas, Carnaval, Páscoa, Natal, bailes, magustos, matança do porco, jogos, canções, escolas primárias e doenças. Cada texto tem a dimensão de duas a três páginas.

O livro é uma síntese de uma realidade social e cultural, creio eu, espelho da vida de uma cidade de média dimensão, em que as pessoas se conhecem e diligenciam por ter estruturas próprias, das quais se regozijam. Numa cidade grande como Lisboa não haveria, certamente, um tipo de programa como o emitido pela estação de Águeda. A razão da minha observação é a apresentação de uma instituição local, o CEFAS (Centro de Formação e Assistência Social), obra do padre José Camões (pp. 20-21). Para o seu desenvolvimento, organizaram-se cortejos de colheitas. A música de grupos musicais serviu para atrair as pessoas, levadas para o adro da igreja, com leilão de coelhos, galinhas, pombos, milho, ovos, feijão, batatas e bolos regionais. No Carnaval, um grupo de jovens mandavam parar os automóveis perto da ponte para angariar fundos junto dos seus condutores e uma equipa de senhoras deslocou-se a empresas industriais para obter tijolos, fechaduras, parafusos e pregos.

Do livro, como se fosse um manual de antropologia urbana, destaco também as quatro páginas dedicadas ao teatro em Águeda (pp. 71-74). Emília Amaral apresenta-nos o teatro da Fábrica, onde antes estivera a fábrica da cera, cerca de 1910, onde se representaram peças de autoria do dr. Toy (António Homem de Mello), dos Vitalinos e do dr. Adolfo Portela. No Salão da Senhora Baronesa, para além dos bailes, representou-se Astrólogo Mendes (Fernão Corte Real, 1918). Outras peças: Rosas de Todo o Ano (Júlio Dantas) e A Madrugada (Fernando Caldeira). No Salão da Senhora Baronesa, efetuar-se-iam os ensaios da música de Águeda, dirigidos por Godofredo Duarte. No Aguedense Pathé Cinema, além dos filmes, havia variedades. A autora lembrava-se de O Barril à Venda Nova (Serafim Soares da Graça), Gaiato de Lisboa e Grão de Bico. O Cine-Teatro de Águeda (Orfeon), inaugurado em 1943, veria a revista Águas do Botaréu (Francisco Lima, 1946). Emília Amaral destacaria ainda a Juventude Católica Feminina, com récitas, o Salão Cultural da Escola Central de Sargentos, o CEFAS (1967) e o Cine-Teatro S. Pedro (1980).

Igualmente, houve destaque à música e músicos de Águeda: Banda Velha de Fermentelos, Conjunto Musical Swing Águeda Jazz, cinco irmãos Duarte, atuantes durante 22 anos (1943-1965) e Orquestra Típica de Águeda (1970). E a outras instituições como ARCA (Associação Recreativa e Cultural de Águeda), Aero-Clube de Águeda e Sociedade Hípica de Águeda, e personalidades da cidade: Manuel de Sousa Carneiro, Fernão Marques Gomes, João Breda, António Filomeno Carneiro, Adolfo Portela, Carlos Alberto Marnoto e António Homem de Mello.

A autora, cujo programa fez entre os seus 69 e 77 anos, mostrava uma grande juventude e abertura a questões presentes, com o pormenor que se lia também nos jornais regionais em papel. Digo isto ao ler o texto respeitante a uma convidada, Maria Antónia Morais (edição de 25 de janeiro de 2000): "Aos sete anos - na companhia dos seus pais - foi para Lisboa, começando aí a instrução primária, a qual veio terminar em Águeda sob a orientação da professora D. Laura Brinco. Paralelamente, aprendeu o catecismo e fez a sua primeira comunhão solene. E depois de completar um curso secundário, integrou-se no curso de Relações Públicas e Humanas. [...] A nossa convidada casou aos 22 anos, em Benfica, na Igreja de Nossa Senhora do Amparo. Foi seu marido um jovem formado em Gestão de Empresas e advogado dos Sindicatos. Ambos resolveram adotar um menino - o Ângelo".

O marido da convidada pertencia à extrema-esquerda e seria preso pela PIDE em 1972. Após abril de 1974, ela aderiu ao PSD. A separação deu-se 16 anos depois do casamento. Ela voltaria a casar, em 1990, com o maestro e capitão Amílcar Morais. Retiro aqui uma observação: enquanto o segundo marido era nomeado, o primeiro permanecia ligado apenas à profissão. Parecia um lapso freudiano.

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