quinta-feira, 12 de abril de 2018

Folhetim da rádio e a sua canção: Fernando Rocha

Eça de Deus (pseudónimo de Moisés Santos) foi folhetinista de rádio ao longo das décadas de 1950 e 1960. Eu não conheço o paradeiro dos seus textos de teatro radiofónico, pelo que apenas posso traçar dele um perfil pobre. Mas sei que um dos folhetins se chamava O Impostor, transmitido numa estação de rádio portuense. Como hoje na telenovela, houve necessidade de criar uma canção que marcasse o folhetim. Fernando Rocha, locutor e realizador de rádio não era cantor mas deu a sua voz a Sonho de Amor (pode ser ouvido em https://www.youtube.com/watch?v=_J96bvgbOgQ). Afinal, ele era o protagonista do sucesso radiofónico. Pelo que se depreende do texto da capa do disco, a radionovela já estava no ar quando foi pensada e concretizada a música.

A editora Valentim de Carvalho, através da Vadeca (Porto), convidou Fernando Rocha a gravar um single. Eça de Deus teve de "inventar" o lado B, o bolero Desilusão. O maestro Resende Dias passou as músicas para a pauta, fez os arranjos e reuniu um grupo de músicos, quase todos da Orquestra Sinfónica do Porto. Não havendo na cidade um verdadeiro estúdio, a gravação decorreu em armazém da Vadeca, na avenida Camilo. O espaço não tinha qualquer tratamento acústico ou isolamento. Iniciada a gravação, houve uma paragem, devido ao cantar de um galo. A equipa técnica e o material de gravação iriam de Lisboa. A gravação foi orientada pelo Hugo Ribeiro, competente engenheiro de som. A master foi para Londres e o disco publicou-se na marca Parlophone (dados fornecidos por Fernando Rocha, a quem agradeço).

Sobre o folhetim, embora focado no publicado na imprensa, Ernesto Rodrigues desenvolveu a sua tese de doutoramento, depois publicada (Mágico Folhetim. Literatura e Jornalismo em Portugal). Aqui, defende a existência de práticas culturais que decorrem da relação entre jornalismo e literatura, reproduzido ou noticiado em folhetins (fascículos, banda desenhada, cinema-folhetim, seriais, fotonovela, folhetim radiofónico e telenovela). O folhetim, escreve, faz um país inteiro parar todos os dias, sempre à mesma hora, para saber a continuação da história.

A produção do interesse romanesco, continua Ernesto Rodrigues, assenta no desenvolvimento da intriga, com picos de interesse e de audiência. Cada episódio joga com múltiplas peripécias, inesperadas ou comoventes, doseadas para se manter a curiosidade e a expectativa. O professor de Letras indica o procedimento narratológico do folhetim: descontinuidade acional, rutura temporal, alternância de espaços, dentro de espírito acumulatório e reiterativo, em que a intriga se complica, o texto se deslineariza, os cenários mudam e as personagens multiplicam-se, com relevo até para as secundárias. O discurso é rememorativo, anunciador, antecipador, apelativo, explicativo. Tudo justifica, seja o acaso ou a inverosimilhança. Uma última ideia que capto do livro de Ernesto Rodrigues: o folhetim criou, desde os primeiros passos (e hoje à volta das séries e telenovelas) uma autoconsciência do género, que faz a sua vitalidade e tradição.

Leitura: Ernesto Rodrigues (1998). Mágico Folhetim. Literatura e Jornalismo em Portugal. Lisboa: Editorial Notícias

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