Escrevo, claro, de Gonçalo Pereira Rosa. O seu mais novo texto, agora publicado na revista Jornalismo e Jornalistas, nº 66 (janeiro-março de 2018), O Prisioneiro 94250 de Dachau era um Jornalista Português, conta a história de Agostinho das Neves, anarquista, preso em quatro países e, entre outros, correspondente do Jornal de Notícias.
Veja-se o modo simultaneamente elegante e científico com que começa (e um pouco à frente continua) o seu texto: "Há duas maneiras de narrar as vicissitudes de um homem. Uma, burocrática e impessoal, acompanha o rasto documental que qualquer ser humano deixa no seu encalço desde o momento em que vem ao mundo. [...] A segunda maneira de conhecer a vida de um homem é deixá-lo falar. Livremente".
O jornalista aqui apresentado nasceu em 1905, foi jornalista e tipógrafo e deu também pelo nome de José Neves. Em 1945, no final da II Guerra Mundial, era entrevistado em Paris por Fernando Teixeira (Diário Popular). Este descreveu aquele com uma criança perturbada, de olhos pequenos por detrás dos óculos. José Agostinho das Neves, anarquista, fizera explodir bombas artesanais perto da sede da Confederação Geral do Trabalho (CGT), à Calçada do Combro, no final de 1921. Esta ação fê-lo perder uma vista, passando a usar um olho de vidro. Foi preso, libertado, mas voltaria a ser preso em 1928, deportado para a Guiné, de onde fugiu para o Senegal. Em 1935, já em Espanha, era preso e algemado na fronteira com a França. Aí, teria estabelecido contactos com anarquistas franceses, editou o boletim Novos Horizontes e o jornal A Liberdade. Através dele, a CGT portuguesa manteve ligações ao exterior. Já em 1940, era denunciado como oposicionista ao governo de Vichy e preso e transferido para um campo de concentração, onde fez trabalho rural e de correio. Por dominar quatro línguas, entrou para os serviços de censura do campo. No final da guerra, com os alemães a perderem posições, ele e outros prisioneiros andariam num comboio à deriva para chegar à Alemanha. Uns foram assassinados, outros atingidos pela aviação aliada. A chegada a Dachau foi marcante na sua violência. Os americanos aproximavam-se do campo de concentração e o aventureiro Neves chegava a outro momento da sua vida. Sem poder regressar a Portugal, o jornalista ficou em França e começou a trabalhar na rádio pública do país. Ele escreveu sobre temas culturais e apoiou os homens de letras portugueses em Paris. Em 1951, assinaria uma declaração de retração e de recusa de atividade política, tendo regressado a Portugal e começado a colaborar com o jornal República. Depois, voltaria a Paris, a chefiar a redação de A Voz de Portugal, embora as polícias de segurança em Portugal e em França continuassem a acompanhar os seus passos. Em 1974, seria o primeiro a entrevistar Mário Soares em Paris, a que se seguiu Mitterrand. Ele morreria em novembro do ano da liberdade.
A última história que o jornalista e escritor está a desenvolver na sua página do Facebook, como se fosse folhetim, é "o que se faz quando se encontra um documento que afiança que um vulto das Letras portuguesas do século XX «colaborou ativamente com esta polícia»"? Alguém alvitrou o nome presente no título de uma Fundação, mas eu aguardo a resolução do enigma.
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