António Ferro, a Vertigem da Palavra. Retórica, Política e Propaganda no Estado Novo (2013) é o novo livro de Margarida Acciaiuoli, que se segue ao portentoso Os Cinemas de Lisboa. Um Fenómeno Urbano do Século XX (2012), agora em segunda edição, e do qual, infelizmente, ainda não fiz aqui qualquer comentário.
O livro António Ferro está dividido em quatro capítulos: A arte de falar entre linhas, a política do espírito, a campanha do bom gosto, edições e revisões.
Por razões pessoais, li primeiro os capítulos do meio e depois os outros e gostei mais daqueles do que destes. A escrita de Margarida Acciaiuoli é agradável, o livro está muito bem documentado (e acompanhado de muitas imagens) e existe uma reflexão de fundo sobre uma das mais marcantes personagens do século XX português. Numa das teses do livro, António Ferro preparara-se para ser o homem da cultura e da propaganda de Salazar, quando, após as entrevistas aos ditadores europeus, incluindo Mussolini e Hitler, ele fez o mesmo com Salazar: "selecciona assuntos, projecta cenários, e acelera a necessidade de tornar conhecido o pensamento de Salazar" (p. 78). Durante cinco dias ao longo de duas a três horas por dia, os dois falaram. O Diário de Notícias, onde Ferro era jornalista, publicou. Era a força da palavra que triunfava.
A entrevista foi em Novembro de 1932, em Setembro de 1933 era criado o Secretariado de Propaganda Nacional (SPN), liderado por António Ferro. Mil contos foi a verba do primeiro ano para a actividade da propaganda, coisa pouca se se relacionar com os 3% do orçamento do Estado italiano ou os 14 milhões de marcos do ministério da Propaganda alemão (p. 103). Mas Ferro começou a aplicar a sua política do espírito. Exposições de arte moderna (pintura e escultura), fotografia e cinema, prémios artísticos e literários, o bailado Verde Gaio, arte popular e passagem do SPN para o SNI (Secretariado Nacional de Informação) em 1944, são os principais tópicos trabalhados no segundo capítulo do livro de Margarida Acciaiuoli. A campanha do bom gosto é a aplicação das ideias de António Ferro ao turismo, à revista Panorama, ao modelo das pousadas. O capítulo é também espaço para o balanço de catorze anos de actividades do SPN/SNI.
No final de 1949, as homenagens a Ferro traçariam esse balanço. Ele divulgara o nome e a obra de Salazar, mas também a arte, a literatura, as qualidades do povo, disse António Eça de Queirós, subdirector do Secretariado e seu sucessor na Emissora Nacional (p. 342), num longo panegírico. A rádio também lhe estava grata: com Ferro, fora lançado o Gabinete de Estudos Musicais (GEM), inaugurado o Emissor Regional do Norte (1943) e o emissor de Castanheira do Ribatejo (1945). Na circunstância, Ferro falaria da gente mais sensível da vida portuguesa: escritores, artistas, jornalistas (p. 344). Numa das cerimónias de homenagem, os homens do regime estavam juntos com o pai da propaganda nacional, como Augusto de Castro, director do Diário de Notícias, António Lopes Ribeiro, Diogo de Macedo, Leitão de Barros, João Ameal e outros (p. 345).
António Ferro saía contente pela actividade desempenhada, mas sabemos, através da biografia da sua mulher, Fernanda de Castro, que ele queria continuar. A questão, explica Margarida Acciaiuoli, é que o final da II Guerra Mundial trouxera alterações profundas e o esforço da propaganda, entretanto mudado para informação, precisava de novos protagonistas. Salazar perpetuou-se no poder mas não os seus colaboradores.
O livro agora editado dá uma visão muito completa do período e traça a história do homem e da sua obra, o SPN/SNI. Ferro fez de Portugal o seu teatro e foi o seu encenador, defende a autora do livro. A meu ver falta uma coisa: o trabalho da censura exercido por aquele organismo do Estado Novo e que foi marcante na definição da ausência de novas políticas estéticas, sem esquecer as perseguições políticas individuais. Apesar de elementos de modernidade, que se foram atenuando à medida que os anos passavam, e do sucesso das actividades fora, nomeadamente as exposições universais, o país fechou-se mais sobre si. A década de 1960 ilustraria isso, já com novos responsáveis.
Leitura: Margarida Acciaiuoli (2013). António Ferro, a Vertigem da Palavra. Retórica, Política e Propaganda no Estado Novo. Lisboa: Bizâncio, 432 p., 18 €
Por razões pessoais, li primeiro os capítulos do meio e depois os outros e gostei mais daqueles do que destes. A escrita de Margarida Acciaiuoli é agradável, o livro está muito bem documentado (e acompanhado de muitas imagens) e existe uma reflexão de fundo sobre uma das mais marcantes personagens do século XX português. Numa das teses do livro, António Ferro preparara-se para ser o homem da cultura e da propaganda de Salazar, quando, após as entrevistas aos ditadores europeus, incluindo Mussolini e Hitler, ele fez o mesmo com Salazar: "selecciona assuntos, projecta cenários, e acelera a necessidade de tornar conhecido o pensamento de Salazar" (p. 78). Durante cinco dias ao longo de duas a três horas por dia, os dois falaram. O Diário de Notícias, onde Ferro era jornalista, publicou. Era a força da palavra que triunfava.
A entrevista foi em Novembro de 1932, em Setembro de 1933 era criado o Secretariado de Propaganda Nacional (SPN), liderado por António Ferro. Mil contos foi a verba do primeiro ano para a actividade da propaganda, coisa pouca se se relacionar com os 3% do orçamento do Estado italiano ou os 14 milhões de marcos do ministério da Propaganda alemão (p. 103). Mas Ferro começou a aplicar a sua política do espírito. Exposições de arte moderna (pintura e escultura), fotografia e cinema, prémios artísticos e literários, o bailado Verde Gaio, arte popular e passagem do SPN para o SNI (Secretariado Nacional de Informação) em 1944, são os principais tópicos trabalhados no segundo capítulo do livro de Margarida Acciaiuoli. A campanha do bom gosto é a aplicação das ideias de António Ferro ao turismo, à revista Panorama, ao modelo das pousadas. O capítulo é também espaço para o balanço de catorze anos de actividades do SPN/SNI.
No final de 1949, as homenagens a Ferro traçariam esse balanço. Ele divulgara o nome e a obra de Salazar, mas também a arte, a literatura, as qualidades do povo, disse António Eça de Queirós, subdirector do Secretariado e seu sucessor na Emissora Nacional (p. 342), num longo panegírico. A rádio também lhe estava grata: com Ferro, fora lançado o Gabinete de Estudos Musicais (GEM), inaugurado o Emissor Regional do Norte (1943) e o emissor de Castanheira do Ribatejo (1945). Na circunstância, Ferro falaria da gente mais sensível da vida portuguesa: escritores, artistas, jornalistas (p. 344). Numa das cerimónias de homenagem, os homens do regime estavam juntos com o pai da propaganda nacional, como Augusto de Castro, director do Diário de Notícias, António Lopes Ribeiro, Diogo de Macedo, Leitão de Barros, João Ameal e outros (p. 345).
António Ferro saía contente pela actividade desempenhada, mas sabemos, através da biografia da sua mulher, Fernanda de Castro, que ele queria continuar. A questão, explica Margarida Acciaiuoli, é que o final da II Guerra Mundial trouxera alterações profundas e o esforço da propaganda, entretanto mudado para informação, precisava de novos protagonistas. Salazar perpetuou-se no poder mas não os seus colaboradores.
O livro agora editado dá uma visão muito completa do período e traça a história do homem e da sua obra, o SPN/SNI. Ferro fez de Portugal o seu teatro e foi o seu encenador, defende a autora do livro. A meu ver falta uma coisa: o trabalho da censura exercido por aquele organismo do Estado Novo e que foi marcante na definição da ausência de novas políticas estéticas, sem esquecer as perseguições políticas individuais. Apesar de elementos de modernidade, que se foram atenuando à medida que os anos passavam, e do sucesso das actividades fora, nomeadamente as exposições universais, o país fechou-se mais sobre si. A década de 1960 ilustraria isso, já com novos responsáveis.
Leitura: Margarida Acciaiuoli (2013). António Ferro, a Vertigem da Palavra. Retórica, Política e Propaganda no Estado Novo. Lisboa: Bizâncio, 432 p., 18 €