W. [William] B. [Butler] Yeats (1865-1939), com Terra do Desejo, e Samuel Beckett (1906-1989), em À Espera de Godot, coincidiram no Porto, aquele no Mosteiro de São Bento da Vitória, com a companhia Comédias do Minho ASSéDIO, e este no Teatro Nacional de São João.
Yeats, muito traduzido mas nunca representado profissionalmente no nosso país, começou por ser mostrado nos concelhos de Monção, Melgaço, Paredes de Coura, Valença e Vila Nova de Cerveira em 2013, visto por 1080 espectadores, em ambientes festivos de pequenas comunidades em salões de colectividades, descendo agora até ao Porto. Antes ainda da representação de Terra do Desejo, os actores recebem os espectadores e aconselham-lhes os melhores lugares e oferecem pão durante a representação.
A tradutora e responsável pela dramaturgia, Constança Carvalho Homem, depois da referência à questão da tradução, distingue duas partes na peça: primeiro, a ética do trabalho, da poupança e do respeito por hábitos antigos, apresentado em especial por Bridget Bruin (Rosa Quiroga), um papel de mulher do campo, já velha e que não acredita em fantasias. Em segundo lugar, essa ética conduz quase inevitavelmente a ideais, a crenças pagãs em individualidades leves e de sonho. O que se rejeita nas fantasias da mulher recém-casada Mary Bruin (Mónica Tavares) - da libertação fatal da vida do campo, constituído por somente trabalho, através da leitura de um livro que a leva para um mundo irreal de fadas - chega ao casal Maurteen (Valdemar Santos) e Bridget Bruin sob a forma de filha ou neta desejada, a quem se perdoam todas as extravagâncias ou simples desejos. A acumulação primitiva de uma vida de trabalho (cem hectares de terra, diz Maurteen) possibilita dar espaço a esse sonho da extravagância.
Mas a recém-chegada é afinal a fada que quer levar Mary consigo, quando Shawn Bruin (Luís Filipe Silva) constata a verdade: a morte da sua jovem mulher, que ele não compreendeu na totalidade e chora por isso. A outra figura, a do padre Hart (Rui Mendonça), revela a incapacidade de resolver as questões da fé quando a presença pagã é forte.
Uma sala pequena, bem aquecida e com espectadores atentos, numa noite de muita chuva. Gostei muito da personagem representada por Valdemar Santos. A música de Vasco Ferreira remeteu-nos bem para esse universo de fadas e de paganismo.
Enquanto Terra do Desejo nos remete para o mundo rural, antigo e adepto de costumes conservadores, À Espera de Godot fala-nos de um mundo de vagabundos ou palhaços ou sem beira nem eira, os afastados do mundo, que esperam por nada, que esgotam os seus dias em conversas, em velhas cumplicidades, mas não se afastam dessa decadência ou dessa dificuldade de voltar a um tempo de alegria ou de festa. Gogo e Didi vivem juntos há muito, acham que podem separar-se, mas sabem que precisam um do outro, da clarividência momentânea de um ou da ingenuidade de outro, sempre em défice com a memória. No sítio onde esperam Godot, uma personagem imaginária, que o rapazinho que aparece da sala faz uma efémera ligação, nada acontece. Isto é, entre as horas de tédio, onde conversam sobre tudo e sobre nada, passam Pozzo e o seu escravo Lucky, que alimentam a conversa dos dois vagabundos devido à extravagância ou violência que existe naquele par que atravessa o local. Saídos de cena, os dois voltam a falar sobre nada. Há um permanente vazio, uma mágoa enorme, que o tempo - que parece não existir - aparece marcado no cenário, com a areia caindo para o chão, como se fosse uma clépsidra do tempo.
De repente, olhamos para a vida, para a nossa vida e das outras pessoas, e sentimos este vazio, esta perda de energias, a falha de ambições ou de projectos. Esperar - eis a cartilha seguida por muita gente. Pessoas que vêem a televisão todos os dias e se deslumbram com as cores e os movimentos dos espectáculos que o ecrã mostra, seja a telenovela, o futebol ou o concurso. O texto de José A. (Augusto) Bragança de Miranda leva-nos para um universo mais intelectual e sociológico, para o pathos de 1900 e, depois, para a II Guerra Mundial e para a hecatombe (holocausto) sobre os judeus.
A sala estava cheia, o que é sempre uma alegria para quem vai ao teatro. A noite era igualmente era de intensa chuva. A Irlanda verde e chuvosa cruzava-se, assim, em duas salas de teatro do Porto. Mas, infelizmente, as peças não eram representadas por companhias do Porto. Uma ia do Alto Minho e a outra de Lisboa. Num outro teatro, o de Sá da Bandeira, outra companhia de Lisboa representava Isto é que me Dói.
Yeats, muito traduzido mas nunca representado profissionalmente no nosso país, começou por ser mostrado nos concelhos de Monção, Melgaço, Paredes de Coura, Valença e Vila Nova de Cerveira em 2013, visto por 1080 espectadores, em ambientes festivos de pequenas comunidades em salões de colectividades, descendo agora até ao Porto. Antes ainda da representação de Terra do Desejo, os actores recebem os espectadores e aconselham-lhes os melhores lugares e oferecem pão durante a representação.
A tradutora e responsável pela dramaturgia, Constança Carvalho Homem, depois da referência à questão da tradução, distingue duas partes na peça: primeiro, a ética do trabalho, da poupança e do respeito por hábitos antigos, apresentado em especial por Bridget Bruin (Rosa Quiroga), um papel de mulher do campo, já velha e que não acredita em fantasias. Em segundo lugar, essa ética conduz quase inevitavelmente a ideais, a crenças pagãs em individualidades leves e de sonho. O que se rejeita nas fantasias da mulher recém-casada Mary Bruin (Mónica Tavares) - da libertação fatal da vida do campo, constituído por somente trabalho, através da leitura de um livro que a leva para um mundo irreal de fadas - chega ao casal Maurteen (Valdemar Santos) e Bridget Bruin sob a forma de filha ou neta desejada, a quem se perdoam todas as extravagâncias ou simples desejos. A acumulação primitiva de uma vida de trabalho (cem hectares de terra, diz Maurteen) possibilita dar espaço a esse sonho da extravagância.
Mas a recém-chegada é afinal a fada que quer levar Mary consigo, quando Shawn Bruin (Luís Filipe Silva) constata a verdade: a morte da sua jovem mulher, que ele não compreendeu na totalidade e chora por isso. A outra figura, a do padre Hart (Rui Mendonça), revela a incapacidade de resolver as questões da fé quando a presença pagã é forte.
Uma sala pequena, bem aquecida e com espectadores atentos, numa noite de muita chuva. Gostei muito da personagem representada por Valdemar Santos. A música de Vasco Ferreira remeteu-nos bem para esse universo de fadas e de paganismo.
Enquanto Terra do Desejo nos remete para o mundo rural, antigo e adepto de costumes conservadores, À Espera de Godot fala-nos de um mundo de vagabundos ou palhaços ou sem beira nem eira, os afastados do mundo, que esperam por nada, que esgotam os seus dias em conversas, em velhas cumplicidades, mas não se afastam dessa decadência ou dessa dificuldade de voltar a um tempo de alegria ou de festa. Gogo e Didi vivem juntos há muito, acham que podem separar-se, mas sabem que precisam um do outro, da clarividência momentânea de um ou da ingenuidade de outro, sempre em défice com a memória. No sítio onde esperam Godot, uma personagem imaginária, que o rapazinho que aparece da sala faz uma efémera ligação, nada acontece. Isto é, entre as horas de tédio, onde conversam sobre tudo e sobre nada, passam Pozzo e o seu escravo Lucky, que alimentam a conversa dos dois vagabundos devido à extravagância ou violência que existe naquele par que atravessa o local. Saídos de cena, os dois voltam a falar sobre nada. Há um permanente vazio, uma mágoa enorme, que o tempo - que parece não existir - aparece marcado no cenário, com a areia caindo para o chão, como se fosse uma clépsidra do tempo.
De repente, olhamos para a vida, para a nossa vida e das outras pessoas, e sentimos este vazio, esta perda de energias, a falha de ambições ou de projectos. Esperar - eis a cartilha seguida por muita gente. Pessoas que vêem a televisão todos os dias e se deslumbram com as cores e os movimentos dos espectáculos que o ecrã mostra, seja a telenovela, o futebol ou o concurso. O texto de José A. (Augusto) Bragança de Miranda leva-nos para um universo mais intelectual e sociológico, para o pathos de 1900 e, depois, para a II Guerra Mundial e para a hecatombe (holocausto) sobre os judeus.
A sala estava cheia, o que é sempre uma alegria para quem vai ao teatro. A noite era igualmente era de intensa chuva. A Irlanda verde e chuvosa cruzava-se, assim, em duas salas de teatro do Porto. Mas, infelizmente, as peças não eram representadas por companhias do Porto. Uma ia do Alto Minho e a outra de Lisboa. Num outro teatro, o de Sá da Bandeira, outra companhia de Lisboa representava Isto é que me Dói.
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