Os prémios da 89ª edição dos Óscares não me surpreenderam muito. Seis prémios para La La Land (realizador: Damien Chazelle; atriz: Emma Stone; direção de arte: David Wasco e Sandy Reynolds-Wasco; fotografia: Linus Sandgren; banda sonora original: Justin Hurwitz; canção: City of Stars, de Justin Hurwitz, Benj Pasek e Justin Paul), três para Moonlight (filme: Dede Gardner, Jeremy Kleiner e Adele Romanski; argumento adaptado: Barry Jenkins e Tarell Alvin McCraney; ator secundário: Mahershala Ali), dois para Manchester By The Sea (ator: Casey Affleck; argumento original: Kenneth Lonergan) e um para Vedações (atriz secundária: Viola Davis). Ainda não vi O Vendedor (filme estrangeiro: Asghar Farhadi).
Destaco Moonlight, Manchester By The Sea e Vedações, histórias de grande densidade dramática, com personagens complexas em especial nos dois últimos filmes. Um porteiro com uma história familiar trágica (incêndio da casa e morte dos filhos) e um negro, a trabalhar como lixeiro, com história antiga de cadastro criminal a tentar recompor-se mas em que o progresso social quase está vedado, são o centro das narrativas. Um procura o mar como espaço de descompressão e morre nele, o outro busca a mesma segurança no pátio da sua casa, onde decorrem as principais conversas do seu pequeno meio, e também morre nele. O primeiro no barco, o segundo com o taco de basebol.
La La Land tem as suas virtudes: musical com a história de dois jovens que querem singrar em Hollywood nas suas artes: atriz, músico de jazz. Eles, apaixonados um pelo outro, triunfam mas seguindo percursos de família diferentes. No final, ela sonha com uma vida com ele, mas já estão separados. Logo, apesar do sucesso, não há final feliz. Uma nota suplementar: o jazz. Ele, que uniu, num dado momento, o casal, é uma música de negros, embora não muito explorada como narrativa. O filme é sobre brancos, em que a música negra dá um toque de classe. Já em Moonlight e Vedações as personagens são negras, com percursos de famílias desagregadas, em que as crianças crescem em ambientes muito desfavoráveis mas conseguem sobreviver. No primeiro, a criança é adotada e segue o mesmo caminho profissional do "pai": a distribuição de droga. No segundo, o adulto quer que os filhos não imitem o seu percurso e prega sermões. Quando é pai fora do casamento, a sua moral cai por terra e é a mulher que o ampara, mas redistribui papéis no seio da família.
A representação de Viola Davis (Vedações) foi das mais distintas que tenho visto. A sua interpretação emocionou-me muito: a personagem mostra equilíbrio (físico e psicológico) quando tudo ameaça ruir à sua volta. E que corresponde, de certo modo, mas de forma ilegal, à personagem do distribuidor de droga em Moonlight. Nos filmes com personagens e atores negros, há ainda um forte orgulho racial. E também patriótico: o basebol americano - e, assim, a cultura popular do país - está presente em todo o filme Vedações.
Numa época pós-Obama e com o novo presidente racista, os prémios para estes dois filmes sobre a população negra americana devem também ser medidos pela mudança de liderança do país. Aliás, a atribulada atribuição de melhor filme - de La La Land para Moonlight - pode ser interpretada dentro do novo contexto de factos alternativos, de pós-verdade e de notícias plantadas, tudo a significar que há notícias falsas colocadas de modo cirúrgico para parecer verdade.
Faltou aqui I, Daniel Blake, de Ken Loach, com Dave Johns e Hayley Squires, mas o próprio realizador não iria a Hollywood receber qualquer prémio, se tivesse direito a ele. A meu ver, pela história e pela matéria, ele merecia mais reconhecimento. Uma outra profissão desconsiderada, a de tipo que resolve problemas como canalizador ou carpinteiro, doente, em busca de reforma, vê-se envolvido em processo infindável. As estratégias de sobrevivência e de solidariedade com outros marginalizados pelo poder, com uma luta quase inumana contra um sistema burocrático sem rosto, são uma marca vital do filme.
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