quinta-feira, 2 de março de 2017

Censura em exposição

São 25 painéis sobre a censura nas artes e na cultura em Portugal no tempo do Estado Novo (O que Ficou por Dizer), patente na Sociedade Portuguesa de Autores. Cinema, literatura, teatro, rádio.

No tópico rádio, há dois textos, assinados por João David Nunes e por António Cartaxo, cada um contando duas histórias ou pontos de vista. João David Nunes reporta-se ao Rádio Clube Português e escreve sobre o programa Onda do Optimismo, à época apresentado por Jorge Alves. Ele chegava habitualmente em cima da hora do programa, sem tempo para passar no gabinete de Jaime da Silva Pinto, outra pessoa excecional e homem exemplar da rádio, cuja função aquela hora era visar previamente os textos. Ambos tinham problemas de locomoção. Jorge Alves, na sua corrida para o estúdio, acenava a Jaime da Silva Pinto, dizendo "os textos já têm visto", a que o colega respondia "falta o carimbo". Jorge Alves abria o microfone e dizia: "Bom dia, senhores ouvintes. Aqui está, como todas as manhãs, a sua Onda do Optimismo". No final do programa, ouvia-se (ou podia ouvir-se?) o som do carimbo em todas as folhas.

Rádio Clube Português tinha um representante da censura, centralizada no SNI (Secretariado Nacional de Informação), que ia à estação com regularidade. Na administração da rádio, o pelouro da fiscalização estava atribuído a um administrador e havia, nos Serviços de Produção, funcionários que analisavam e visavam com o carimbo SP5 os textos a utilizar.

Por seu lado, António Cartaxo escreve sobre a BBC e a secção portuguesa. O primeiro registo remete para dezembro de 1941. Armando Cortesão, tradutor na secção brasileira e colaborador na portuguesa, era refugiado político anti-Salazar. Este e a embaixada portuguesa tanto pressionaram indiretamente a BBC que Cortesão acabou por ser despedido (a tese de doutoramento de Nelson Ribeiro analisa em profundidade a situação).

A segunda história de Cartaxo envolve-o diretamente, embora ele não o explicite. O serviço português da BBC fora encerrado em 1957, mas reaberto no começo da década seguinte, após o rebentar da guerra colonial em África. Em julho de 1973, Marcelo Caetano visitou oficialmente Londres. A imprensa britânica publicou artigos sobre a política colonial portuguesa e o Times deu notícia do massacre de Wiriamu (Moçambique). De nada disto se fez referência na revista de imprensa da secção portuguesa da BBC. Depois, em 1974, a BBC abdicaria do papel independente e instauraria censura sobre o modo de relatar a evolução da política nacional. Por exemplo, não seriam lidos ou comentados os artigos publicados no Guardian. Dois jornalistas seriam demitidos. Cartaxo não descreve o processo que chegou ao tribunal e que opôs a BBC e ele e o seu colega Jorge Ribeiro.

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