terça-feira, 11 de junho de 2019

Bernardino Pires (11)

Esta fotografia de Bernardino Pires (espólio de Daniel Pires) mostra uma edição complexa. Se noutras imagens, eu vi uma forte tendência neorrealista, nesta o trabalho interno de produção leva-me a outro terreno. Não posso escrever que ele seguiu o guião das propostas formalistas da fotografia, por oposição ao realismo fotográfico, e defendeu o ideal de arte fotográfica como o irrepetível, em confronto com as ideias de aura e repetitibilidade, como teorizou Walter Benjamin. Também não escrevo que o expressionismo na versão cinematográfica o entusiasmou, mas ali há traços que o justificam. E, ainda, não conheço todas as aplicações à fotografia do construtivismo russo, nomeadamente o húngaro László Moholy-Nagy, depois professor na Bauhaus, mas a geometrização da fotografia lembra-me essa escola experimental desaparecida às mãos nazis.
O trabalho na fotografia, geometrizado, seria uma tentativa de aplicação das inovações e descobertas que ele prosseguia no trabalho profissional de ilustrador e produtor de formas publicitárias estáticas. Certamente que Bernardino Pires conhecia as correntes mais modernas de arte europeia, devido à sua profissão e a contactos com outros artistas, À tertúlia fotográfica associavam-se outros interesses culturais. A experimentação, portanto.
Deixo duas ideias, a primeira das quais para realçar o lado maquínico - o comboio com máquina a vapor por cima da ponte de ferro (D. Maria Pia, Porto). Há uma grande simbiose, que nos faz esquecer que o comboio transporta pessoas e bens. Daí o lado formalista, o do relevo da forma sobre o conteúdo. Um outro elemento, menos importante, é o do poste telefónico, a realçar a segunda conceção da palavra comunicação, além do transporte, como teorizou James Carey em obra infelizmente curta.
A segunda ideia, sobre a tecnologia da fotografia, retiro-a da interpretação dada por Daniel Pires: "trata-se de um trabalho de retoque (muito) numa fotografia de alto contraste. Como se pode observar na imagem, a luz incide no lado esquerdo (o sol da manhã), a fotografia teria sido feita na margem do Porto. O trabalho de retoque ( amplicópia 30x40 ) no arco da ponte, no gradeamento, no comboio, e também no poste dos telefones ("canecas"?), procurou realçar a fotografia com o objectivo de a tornar mais legível. O efeito final é "quase" como um negativo. Naquela época eram feitas várias reproduções (por vezes sobreposições com outras fotografias) para conseguir a "edição"/composição da imagem".
Conclusão: como disse um dia Bernardino Pires, a fotografia não é a máquina mas o homem.


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